Tecnologia, transparência e participação cidadã: a tríade moderna

Tecnologia, transparência e participação cidadã: a tríade moderna

A hecatombe trazida pela crise do novo Coronovírus impactou diversos aspectos da sociedade e reordenou prioridades. Estar presente, fisicamente, deixa de ser essencial para a produtividade de determinadas profissões e o tempo, material escasso no dia-a-dia contemporâneo, passou a ser mais abundante durante o confinamento.

As ferramentas tecnológicas, algumas antes desconhecidas do público em geral como o ZOOM ou Hangout Meet, tornaram possível a substituição de presença física pela presença virtual. As tecnologias que permitiram a população continuar com parte de suas atividades laborativas não foram criadas como resposta ao Coronavírus, entretanto foram essenciais para sua concretização.

Quanto ao progresso tecnológico, já reconhecido para o aumento da produção, é importante destacar o ganhador do Nobel de economia em 2018, Paul Romer. O economista conseguiu demonstrar como políticas públicas e condições de mercado determinam o surgimento de novas tecnologias. Uma outra premissa analisada por Romer é como as forças econômicas incentivam a disposição das empresas de gerar novas ideias e produtos inovadores. O modelo de crescimento endógeno trouxe inovações importantes nas análises econômicas, inclusive quanto às suas limitações[1].

Partindo dessa ideia econômica, há um campo fértil de análise na implementação de processos tecnológicos na administração pública quanto às obrigações de transparência previstas na Constituição Federal e consolidadas na Lei de Acesso à Informação.

A postura da mídia e da sociedade organizada cobrando maior transparência nos gastos com o combate à COVID-19 é um indicador importante. Assim como a grande repercussão contrária à restrição da Lei de Acesso à Informação durante o período da pandemia.

Ocorre que, para o exercício da cidadania de forma efetiva, é necessário analisar também um conjunto de habilidades, atitudes e comportamentos para a construção de conhecimento e intervenção efetiva na realidade social. Observa-se, portanto, que o “homem médio” brasileiro ainda está à margem desta cidadania ativa.

Se considerarmos o processo de informatização judicial, temos um panorama interessante para análise. A justiça brasileira está no movimento de informatização desde o final de 2006, com a promulgação da Lei 11.419/06. Nos 10 anos cobertos pela série histórica do CNJ, foram protocolados no Poder Judiciário mais de 108 milhões de casos novos em formato eletrônico. Atualmente, o percentual de adesão ao processo eletrônico atinge 83,8% do total[2].

Mudanças de paradigmas no judiciário

A informatização judicial é tida como uma forma eficiente de tornar a prestação jurisdicional mais célere e transparente. Por outro lado, a complexidade de compatibilidade dos sistemas existentes e as especificidades regionais contribuíram para o longo período de implantação ainda inacabada. Portanto, a experiência do judiciário representa um bom exemplo tanto para aumento de efetividade e transparência da atuação, como também para a resistência do pensamento analógico no uso de tecnologia digital.

A concomitância entre processos “físicos” e processos digitais é uma realidade em maior ou menor grau em todos os Estados do Brasil. Procedimentos como juntada de documentos, que a lógica digital permitiria uma ação automática, em muitas varas depende de um comando humano, criando com isso uma fila do que seria automático.

A disponibilização eletrônica do processo permite o peticionamento fora do horário do Fórum e o acesso remoto de qualquer pessoa habilitada, desde que o processo não tenha segredo de justiça. Reforça-se que o acesso remoto e a informatização dos processos possibilitam hoje o desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial de análise de padrões judiciais, tendências em escala, entre outros. A tecnologia passou a ajudar na solução de problemas jurídicos, inclusive de produtividade.

Nesse esteio, o Ministério Público do Rio de Janeiro[3] tem apostado na gestão digital para a sua atuação. Caracterizada pela maior integração entre os órgãos institucionais e pelo uso de tecnologias para aumento de ganhos de produtividade e resultados concretos para a sociedade, a gestão digital tem apresentado expressivos resultados. A concentração de bancos de dados institucionais e a aplicação ferramentas de análise, como o MP em Mapas ou o MPRJ Digital, permitem uma atuação preventiva do Ministério Público, resultando em eficiência e efetividade.

Mudança de paradigma de cidadania

Como reflexo desse ambiente, a sociedade civil organizada também contribuiu com ferramentas tecnológicas de controle e/ou auxílio da administração pública. A Operação Serenata de Amor, que utiliza inteligência artificial na análise dos gastos da Câmara Legislativa Feral, e o aplicativo “Mudamos”, que é voltado para a facilitação de assinaturas para projetos de lei de iniciativa popular, são exemplos do engajamento cívico da sociedade.

Como visto, há exemplos institucionais e da sociedade de uso de tecnologia no aumento da transparência, eficiência e efetividade. Todavia, frequentemente a linguagem utilizada nas plataformas não são atrativas, o que dá nova roupagem à barreira de acesso.

É sabido que o comportamento standard do cidadão brasileiro não é de plena participação ativa. Ocorre que a mudança desse padrão só será possível se criadas as condições necessárias para o seu surgimento e implantadas as políticas públicas nesse sentido.

Inquestionáveis os benefícios e desafios trazidos pela tecnologia, pela transparência e pela participação cidadã. A conexão desta-tríade, entretanto, certamente não é linear. Se tecnologia e transparência parecem ter tomado a liderança na corrida para o controle da administração, sem a participação cidadã efetiva dificilmente os resultados de melhoria da gestão pública serão sentidos por todos.

O Brasil possui um ambiente regulado para ações em prol da cidadania. Resta agora defender a consolidação desse cenário e os meios para o ingresso dos atores principais. Todos nós, desde o cidadão mais simples até aquele que julga não ter tempo para participar da melhoria do país, podemos contribuir para esse resultado. Como visto, tempo e ação, como o COVID-19 bem demonstrou, podem ser relativos, mas serão determinantes na mudança do país.

Por fim, nosso desejo é que a tríade moderna concretize o futuro esperado.


[1] Ver < https://www.economist.com/international/2012/10/06/unchartered-territory> Acessado em 31/03/2020.

[2] Justiça em Números 2019/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2019. Ver <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acessado em 30/03/2020.

[3] Ver < http://www.mprj.mp.br/mapa> Acessado em 3/04/2020.

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