Não olhe para cima: um filme da realidade

Não olhe para cima: um filme da realidade

Por Tatiana Bastos

O cinema (ou nesse caso o streaming) tem proporcionado à humanidade décadas de entretenimento, liberação de endorfina e introspecção. Temos a oportunidade de sermos espectadores de histórias bem enquadradas e editadas, fantasticamente interpretadas, com som e luz extasiantes. Digo isso nos mais diversos gêneros, não só na ficção científica ou no drama. Em uma média de duas horas, uma outra realidade é criada e ficamos entretidos em parte de nossas 24 horas do dia.

A produção milionária da Netflix “Não olhe para cima” preenche todos os requisitos de entretenimento: elenco estelar, suspense na medida proporcionado por uma narrativa bem editada, som e luz com qualidade indiscutível. Como é bom poder viver em um mundo de fantasia.

A inquietação surge quando o filme termina e percebemos que muitos de nós, senão todos, estamos vivendo um pouco do absurdo narrado no filme quando se trata da questão climática. Sabemos que as atuais políticas de Net Zero não manterão o aquecimento dentro do limite de 1,5°C e se continuarmos no ritmo de emissão de carbono atual, o limite de 2° C proposto no Acordo de Paris será em muito superado.

Propostas de captura de carbono na atmosfera por geoengenharia, BECCS, plantio massivo de árvores, dentre outras, possuem sérias limitações de escala e a urgência climática é mundial. Além disso, os humanos estão mudando a face do planeta mais rápido do que a comunidade científica aparentemente pode responder.
No sentido de construir uma recuperação saudável, resiliente e zero carbono que evite ameaças futuras, crie empregos decentes e seja voltado a um crescimento inclusivo e sustentável, a Organização das Nações Unidas – ONU está coordenando a campanha global Race to Zero para zerar globalmente as emissões de gases de efeito estufa até 2050. 
Ser net zero significa não adicionar novas emissões à atmosfera e envolver também a eliminação das emissões indiretas geradas por toda a cadeia de valor, incluindo fornecedores e clientes.

Essas emissões, conhecidas como Escopo 3, segundo o GHG Protocol, incluem o que é gerado por bens e serviços adquiridos, distribuidores terceirizados e produtos vendidos; o que inclui as emissões geradas quando os clientes usam os produtos de uma empresa.

Para se tornar net zero, uma empresa deve eliminar as emissões do Escopo 3; as de Escopo 1, que são as emissões pelas quais ela é diretamente responsável; e as emissões de Escopo 2, que são geradas pela compra de eletricidade, calor e vapor. Até 2050, as organizações devem produzir emissões próximas de zero e neutralizar quaisquer emissões residuais que não possam ser eliminadas. Já há estudos que demonstram que a maioria das empresas precisará de uma profunda descarbonização de 90-95% para atingir zero líquido.

Como visto, os desafios para a descarbonização são enormes e só serão possíveis com uma mudança radical na forma como hoje utilizamos os combustíveis e derivados fósseis. Além disso, a definição de metas de curto e longo prazo precisam obrigatoriamente estar baseadas na ciência, transparentes e verificáveis, sob risco de greenwhashing.

O filme “Não olhe para cima” pode ser de ficção, mas poderia facilmente retratar a forma como estamos agindo com a emergência climática. Nunca é demais repetir: não existe uma única saída para a crise climática e muito menos uma saída mágica. Todos nós somos responsáveis na construção de um mundo mais sustentável, ainda que de maneira distintas e necessariamente mais inclusivas.

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